sábado, 24 de agosto de 2013

O Estelionato não afasta do dever indenizatório da Empresa que causa o dano

A inserção indevida do nome em Serviço de Proteção ao Crédito (SPC/SERASA) por instituições financeiras gera o dever de indenização a  3º (terceiro), mesmo quando baseada em ação de estelionatário


Primeiramente, cumpre esclarecer que a relação que se estabelece entre as instituições financeiras e os beneficiários de crédito se enquadra na definição do artigo 3º, §2º, do Código de Defesa do Consumidor, vez que se trata de prestação de serviços de crédito, captação, aplicação e administração de recursos. 

Assim restou consolidado no Colendo Superior Tribunal de Justiça com a edição da Súmula 297: 
Súmula 297. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Uma vez que a relação jurídica em comento é regida pelo Código de defesa do Consumidor, a responsabilidade indenizatória da empresa causadora de danos é objetiva, pelo que prevê o artigo 14, caput do Código de Defesa do Consumidor: 
Art. 14, CDC, caput - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (destacamos)
Neste mesmo sentido, segue o que a jurisprudência reza:
“APELAÇÃO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - INSCRIÇÃO NO SPC – RESPONSABILIDADE OBJETIVA - CONSUMIDOR - DANO MORAL - INTEGRIDADE PSICOFÍSICA - QUANTIFICAÇÃO - DUPLA FINALIDADE - CORREÇÃO MONETÁRIA - DATA DA SENTENÇA - JUROS DE MORA - DATA DA INSCRIÇÃO. A responsabilidade dos prestadores de serviços é objetiva (art. 14 do CDC), razão pela qual, independentemente da existência de culpa, cabe ao fornecedor reparar os danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços. O dano moral constitui a lesão à integridade psicofísica da vítima. A integridade psicofísica, por sua vez, é o direito a não sofrer violações em seu corpo ou em aspectos de sua personalidade, aí incluídos a proteção intimidade, a honra, vida privada. Em razão da inserção indevida no SPC, a recorrida teve seu nome veiculado no comércio como inadimplente, fato que violou a honra, aspecto integrante da integridade psicofísica e caracterizador do dano moral. Violada a integridade psicofísica (lesão ao corpo ou à personalidade) resta configurado o dano moral, independentemente da existência de dor ou sofrimento. Estes sentimentos, que nada mais são do que possível conseqüência do dano moral, passam a ser analisados unicamente no instante da quantificação do valor indenizatório. A reparação moral tem função compensatória e punitiva. A primeira, compensatória, deve ser analisada sob os prismas da extensão do dano e das condições pessoais da vítima. A finalidade punitiva, por sua vez, tem caráter pedagógico e preventivo, pois visa desestimular o ofensor a reiterar a conduta ilícita. A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento. (Súmula 362 do STJ). Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual. (Súmula 54 do STJ)”. (Ap 1.0027.07.130931-7/001, rel. Des. TIBÚRCIO MARQUES, Data do Julgamento: 04/06/2009, Data da Publicação: 07/07/2009). (destacamos) 
Muitas vezes a empresa financeira que insere o nome de alguém indevidamente no sistema de proteção ao crédito alega que não teve culpa pelo mal causado, posto que este fora exclusivamente provocado por 3º (terceiro): o estelionatário que se passou pela vítima, utilizando os seus documentos ou dados; com isso busca amparo na excludente da culpa do parágrafo 3º do artigo supra transcrito que prescreve que: “O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: (...) II- a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”
   
Entretanto, o que se sabe é que a Empresa tem o dever legal de verificar a veracidade das informações passadas pelo contratante. Assim, a atitude de terceiro não serve como justificativa para eximir-lhe da culpa.
        
Nesse sentido foi o julgado do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo. Veja:
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ATO ILÍCITO DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇOS DE ELETRICIDADE INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME DA AUTORA EM CADASTROS RESTRITIVOS SPC/SERASA AÇÃO DE ESTELIONATÁRIA IRRELEVÂNCIA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA PRESTADORA DE SERVIÇOS DANO MORAL PRESUMIDO ARBITRAMENTO EM VALOR ADEQUADO. - Recursos desprovidos. (TJ-SP - APL: 9099762212009826 SP 9099762-21.2009.8.26.0000, Relator: Edgard Rosa, Data de Julgamento: 19/10/2011, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 20/10/2011) (destacamos) 
Aquela que negativa o nome de outrem - com quem não possui uma relação contratual verdadeira -, tem atividade jurídica inserida no Código de Defesa do Consumidor e deve proteger todo e qualquer envolvido na relação, de modo a não causar dano a ninguém. Dentre seus deveres está o de prover a segurança nas relações que firma com outras pessoas.

Ademais, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) ,ao enunciar os direitos do consumidor, prevê o dever de reparação em seu art. 6º, traz, dentre outros, o direito de "a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos" (inc. VI) e "o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados" (inc. VII).

Na maioria dos casos em que se busca indenização moral na esfera jurídica, a requerida alega que não tinha condições de saber que o inadimplemento que gerou a negativação indevida do nome do Autor era feito por estelionatário.

No entanto, a negligência e mesmo imprudência (elementos da culpa) delas se mostram patentes, pois muitas vezes são apresentados documentos com fotos e, ao firmarem contrato com o fraudador nem mesmo observam que a aparência deste, não condiz com a do real portador do documento que consta na foto.

Também, ao firmarem com ele contrato escrito não têm o zelo de conferirem a assinatura que consta no documento apresentado, caso contrário poderiam ver se tratar de fraude.

Em outras palavras, trata-se de atitude totalmente descuidada, que visam apenas estabelecerem uma relação jurídica, deixando de lado os trâmites necessários para garantir a legitimidade do negócio jurídico.

Diante dessa atitude descuidada, que culmina na inserção no SERASA ou SPC do nome de pessoas que não tem nada a ver com a relação firmada pelo falsário, fica também configurado o cometimento de ato ilícito pela Requerida com base no que dispões o artigo 186 do Código Civil brasileiro, in verbis:
   Art. 186, C.C.. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Vê-se, desde logo, que os diversos diplomas legais preveem a possibilidade de reparação de danos morais decorrentes do sofrimento, do constrangimento, da situação vexatória, do desconforto em que se encontra a autor e que este dever é objetivo, sendo afastada qualquer excludente por ato de 3º (terceiro).

E mesmo que a responsabilidade fosse subjetiva, qualquer atitude negligente representaria a culpa e o ato ilícito, que é indenizável.

Por fim, jurisprudência e doutrina são quase unânimes no sentido de que o dano moral nesse tipo de situação é presumido e portanto nem precisa ser comprovado (in re ipsa), bastando apenas comprovar se que a negativação foi indevida

A título de exemplo seguem os julgados dos Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio Grande do Sul:
1-  "DANO MORAL. INSCRIÇÃO IRREGULAR. SERASA. PROVA. DESNECESSIDADE. (...) II - Nos termos da jurisprudência da Turma, em se tratando de indenização decorrente da inscrição irregular no cadastro de inadimplentes, "a exigência de prova de dano moral (extrapatrimonial) se satisfaz com a demonstração da existência da inscrição irregular" nesse cadastro. (AgRg no AG 203613/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, DJ 08.05.2000 p. 98). 
2- Ação de indenização por danos morais, sob alegação de negativação indevida, por inexistência de contratação entre as partes. Sentença de procedência devidamente fundamentada. Motivação do decisório adotado como julgamento em segundo grau. Inteligência do art. 252 do RITJ. Negativação indevida. Ausência de prova da contratação e do débito. Danos morais caracterizados. Valor da indenização fixada de acordo com os critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Recurso não provido. (1039674620098260002 SP 0103967-46.2009.8.26.0002, Relator: Edson Luiz de Queiroz, Data de Julgamento: 11/07/2012, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/07/2012) (destacamos) 
3- DÉBITO INEXISTENTE. NEGATIVAÇÃO INDEVIDA. DANOS MORAIS IN RE IPSA. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO.I. Invertido o ônus da prova, cabia a ré demonstrar a licitude da inscrição do nome da parte autora nos órgãos de proteção ao crédito, ônus do qual não se desincumbiu. A demandada sequer comprovou efetivamente a existência de relação contratual entre as partes, através da juntada do contrato entre as partes ou de faturas telefônicas.II. A negativação indevida consiste em dano in re ipsa, isto é, que independe de prova, ou seja, caracteriza-se por si só, sendo seu prejuízo... (71003461381 RS , Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Data de Julgamento: 26/04/2012, Terceira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 02/05/2012) (destacamos)
Todos os argumentos são baseados nos diplomas jurídicos que amparam as relações jurídicas de consumo, que têm como princípio básico o de evitar todo e qualquer tipo contra a parte vulnerável da relação, no caso, todo aquele que se enquadre como consumidor, nos termos do artigo 2º da Lei 8078/90 (CDC). 

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