sábado, 24 de agosto de 2013

Liberdade literária vai de encontro às normas processuais

Sabe aquela velha brincadeira irônica que diz: Assassinaram o Português, quando diante de aberrações linguísticas? Pois é, assassinaram o Processo Penal!


Na verdade isso é feito constantemente pela mídia sensacionalista e por apresentadores que gritam e divulgam fatos jurídicos com o objetivo primordial de gerar emoção em seus telespectadores, ao invés de realmente informá-los.

No capitulo do último dia 22 (quinta-feira) a Rede Globo, em sua atual novela das 9 (nove) - Amor à Vida -, também demonstrou traços disso quando da prisão do personagem Atílio, pelo crime de bigamia, por ter mantido casamento com das mulheres diferentes.

As novelas que a emissora transmite nesse horário costumam trazer temas interessantes e atuais e relatam fatos verídicos, mas nem sempre são fiéis nos aspectos jurídicos, especialmente os processuais.

E no final da cena - o personagem que trabalha no hospital, interpretado pelo autor Luis Melo – o policial colocou-lhe algemas, conduta que é hoje reprovável pelo ordenamento jurídico, tendo sido inclusive sumulada pelo Supremo Tribunal Federal nos seguintes termos:

Súmula Vinculante nº 11: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

A Súmula Vinculante advém do posicionamento reiterado do Supremo Tribunal que se torna exigível e impõe-se a todos.

Destarte, com a elaboração da Súmula o uso de algemas passou a ser proibido, somente sendo autorizado em casos em que o suspeito/condenado/autor possa causar riscos a outrem, a si mesmo ou que se demonstre tendente à fuga.

O descumprimento é passível de recurso (Reclamatória ao STF) e a autoridade que executa ou determina o ato pode ser inclusive imputada e sofrer as sanções pelo crime de abuso de autoridade previsto pelo artigo 4º, alínea "a" da Lei especial nº 4898/65, que trata do abuso de autoridade, abaixo transcrito:

Art. 4º, Lei 4898/65: Constitui também abuso de autoridade:a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; (...)

Ora, o personagem não traz traços de nenhum dos requisitos para o uso de algemas em público, pois é uma pessoa idônea- aparentemente, réu primário- e também em virtude da baixa reprovabilidade social do crime cometido.

Assim, a cena não passou de apenas mais um deslize da mídia, que acaba por confundir os telespectadores acerca da legalidade dos atos praticados por autoridades.

Pobre Atílio! Foi vítima do sensacionalismo do autor, que para atrair atenção do público, acabou por ignorar os aspectos formais de uma prisão.

Muito longe de ser meu objetivo criticar a liberdade literária de Walcyr Crrasco, mas não concordo com as informações erradas que são apresentadas pelos meios de comunicação, posto que ao invés de enriquecerem o conhecimento dos seguidores, deixa-os confusos, já que narram fatos com perfeição e logo em seguida trazem ensinamentos jurídicos tão tortos e que não condizem com o texto legal, mas que os levam a crer que também são verdadeiros.

Portanto, faço aqui uma ponderação aos estudantes do Direito, e também aos leigos no assunto que são telespectadores da novela Amor à Vida e de outros programas: não levem a cabo as informações relacionadas aos trâmites investigativos ou processuais vinculadas por programas não especializados no tema e questionem se as informações procedem de fato.

Não seja também vítima do sensacionalismo midiático!

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