sexta-feira, 7 de junho de 2013

A Interceptação Telefônica e o Direito de Família

O título deste artigo parece soar um pouco estranho, né? Afinal de contas, duas esferas do Direito tão diferentes foram colocadas lado a lado. Se isso chamou sua atenção não pare de ler, porque mais do que próximas, acredite: elas ainda vão se cruzar.


Primeiramente, vamos lembrar o que é a interceptação telefônica e seus aspectos peculiares: A interceptação telefônica consiste na intervenção/interferência na comunicação (conversa ou escrita) alheia e não se confunde com a gravação telefônica.

Acontece que a interceptação é feita por uma terceira pessoa, que não participa da conversa; esta é proibida e somente pode ser feita com autorização judicial para fins investigativos. Enquanto que a gravação é feita por quem participa da conversa e esta é lícita.

A interceptação telefônica é uma medida bastante discutida no Processo Penal, pois se feita de forma inadequada gera uma prova ilícita, a qual deve ser imediatamente desentranhada do processo. 

Assim, para que seja utilizada deve ser executada de forma vinculada ao disposto pela lei (Lei 9296/96, que regulamenta a interceptação das comunicações telefônicas), criada justamente para garantir sua legalidade e eficiência, pois do contrário ficará contaminada e não será admitida no Direito.

Tanto a interceptação telefônica, como a prova ilícita são previstas pela Constituição Federal na parte em que trata dos Direitos e das Garantias Fundamentais em seu artigo 5º. Isso porque são relacionadas a direitos fundamentais do indivíduo. 

A escuta de conversa alheia atinge diretamente o direito constitucional à intimidade e a prova ilícita pode atuar em prejuízo de diversos direitos do cidadão como: liberdade, propriedade, entre outro de estrema importância e por isso não deve ser utilizada.

Vejamos o que diz a norma máxima:

CF, Artigo 5º:

(...) XII-  é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

(...) LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

Conforme a transcrição acima, a Carta Magna apenas autoriza que seja feita a interceptação telefônica ou de correspondências para fins de investigação criminal (esfera policial) ou de instrução processual penal (esfera judicial).

E, apenas em casos excepcionais é possível que a prova obtida por meio dela no âmbito penal seja utilizada em processos de outras esferas jurídicas como a cível, a administrativa, entre outras. Nesses casos ela é também chamada de “prova emprestada”, ou seja, que veio originariamente de outro processo.

Acontece que em estudo recente me deparei com uma novidade, que pode ainda ser objeto de muitas discussões.

Lendo informações sobre o Direito de Família, mais especificamente sobre o Processo de Execução de Alimentos, vi um posicionamento muito interessante que defende a possibilidade do uso da interceptação telefônica para a localização de Executados que se encontrem em endereço desconhecido pelo(a) Exequente.

O argumento foi da Desembargadora aposentada e doutrinadora Maria Berenice Dias, que é bastante inovadora em suas idéias. Veja:

É consabida a resistência do devedor em se deixar citar quando da cobrança da dívida alimentar. Assim, é de admitir-se a possibilidade de se proceder à interceptação telefônica do devedor para conseguir localizá-lo. A medida é drástica, mas, além de cabível, é necessária. Ainda que a Constituição Federal consagre a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (CF 5º XII e L. 9.296/1996), esta é uma das hipóteses em que se justifica a medida. Nem é imprescindível o desencadeamento da ação penal pela prática do delito de abandono material (CP 244). Possível tal providência extrema nos próprios autos da execução, como forma de garantir a subsistência do credor. Às claras que há choque de dois princípios constitucionais: o direito à intimidade do devedor e o direito à vida do credor. Não cabem maiores indagações para se identificar qual deve prevalecer.(Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007; p. 472)

A sábia jurista em 2007 inclusive proferiu decisão nesse sentido e ainda acrescentou: “Tal medida dispõe inclusive de cunho pedagógico para que outros devedores não mais se utilizem de subterfúgios para safarem-se da obrigação.” (TJRS, 7ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento 70018683508, relatora Desembargadora Maria Berenice Dias, j. (28/03/2007) 

Obviamente que a aplicação da quebra de sigilo pode ser muito pertinente nesses casos, em que, muitas vezes, os Executados fazem questão de omitir seu paradeiro para não terem que adimplir a obrigação de prestar alimentos sob pena de prisão.

O problema é que a aplicação da medida representa uma afronta a dispositivo não apenas legal, mas constitucional, que elenca a proteção aos principais direitos humanos.

 Entretanto, o provimento de alimentos para a criança que depende deles para sobreviver é também um direito fundamental e que deve ser protegido e resguardado. Assim, acredita-se que os argumentos apresentados pela Doutrinadora merecem ser acolhidos por outros Tribunais dos quais ela não faz parte.

 Pois, se de um lado a Constituição Federal protege o direito à intimidade e por isso relativiza o uso das intervenções em conversas alheias, de outro ela prevê que: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-las a salvo de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (CF, artigo 227) 

Nesse caso, não há sobreposição de leis, mas conflito de normas que se encontram no mesmo nível hierárquico. E, uma vez, que de um lado do Direito se encontre um menor ou vulnerável, o mais justo é que a norma que o protege sobressaia.

Afinal de contas, o Princípio da Igualdade traz que se deve tratar os iguais de forma igual e os diferentes de forma diferente, na medida de sua diferenças. E o vulnerável merece ser tratado com maior proteção.

O tema é realmente interessante para aqueles que se interessam pelo estudo do Processo Penal, para os que gostam de analisar aspectos constitucionais e principalmente, para os que amam o Direito de Família. 

Espero ter contribuído um pouco! Boa noite!


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