quinta-feira, 6 de junho de 2013

O Caos do Sistema Prisional brasileiro

No dia 27, foi divulgada pelo G1- globo.com a seguinte notícia: 

STF decide neste ano se preso sem vaga no semiaberto vai para casa. Segundo ministro, 20 mil estão em regime mais rigososo por falta de vagas. Tribunal promoveu debate público para subsidiar julgamento sobre o tema.


Discutir alguns pontos desse ocorrido é de grande importância num momento em que se debate a redução da maioridade penal, que enseja a ampliação do sistema prisional brasileiro. E que este se encontra, aparentemente, caótico. 

Na audiência pública em questão foram abordados e discutidos diversos pontos importantes sobre o sistema prisional brasileiro, entre eles: a superlotação dos presídios, a falta de estabelecimento para o cumprimento de penas em regime semi-aberto (colônias), o que obriga os presos a permanecerem em regime mais duro - fechado, e, finalmente, o não cumprimento do que é proposto pela aplicação da pena: a ressocialização do indivíduo.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes disse, na data da publicação da notícia pelo site (27), que deverá liberar para julgamento no começo do 2º semestre deste ano o processo que definirá se os presos do regime semiaberto devem ter o direito à prisão domiciliar quando não houver vagas disponíveis no sistema prisional.
Segundo o respeitável ministro, atualmente 20 mil presos de todo o país cumprem pena em regime mais rigoroso do que deveriam por falta de vagas nos regimes aberto e semiaberto. 

De acordo com dados do Ministério da Justiça, a população carcerária no país é de 548 mil pessoas. No entanto, os estabelecimentos penais dispõem de 310,6 mil vagas (déficit de 237,4 mil vagas).

Gilmar Mendes é relator de um recurso do Ministério Público gaúcho que será julgado pelo STF e que contesta decisão da Justiça do Rio Grande do Sul de garantir a um condenado em semiaberto que cumpra pena em prisão domiciliar por falta de vaga.

Para subsidiar o julgamento desse recurso, o ministro coordenou uma audiência pública sobre o tema nos dias 27 e 28 de Maio. Defensores públicos, promotores e secretários de segurança de todo o país discutiram o assunto.

Caso o STF decida que o preso tem o direito da prisão domiciliar, todos os presos do semiaberto ou do aberto que não tenham vagas específicas poderão cumprir pena em casa.

Durante a audiência, defensores e juízes apontaram situação de maus tratos a presos que teriam direito ao semiaberto, mas que não tiveram oportunidade de deixar o presídio de segurança média ou máxima por falta de vaga. 

O juiz Sidinei José Brzuska, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, citou que ocorreram em pouco tempo no estado cinco esquartejamentos de presos que deveriam estar em semiaberto. Ainda segundo o magistrado, há casos de presos dados como foragidos, mas que foram mortos.

A defensora pública do Ceará Aline Lima de Paula Miranda também citou casos de morte de presos do semiaberto. "Em 11 de março de 2013, 11 homens morreram carbonizados no regime fechado. Deveriam estar no semiaberto, mas não tinha vaga porque no estado não tem colônia ou similar."

O ministro Gilmar Mendes ainda destacou que há um "grave problema" no funcionamento do sistema prisional brasileiro. Segundo ele, o sistema vive "à beira do colapso": "Sabemos que o sistema prisional brasileiro está à beira do colapso, apresenta diversas mazelas como a superlotação e precariedade de instalações. Temos um grave problema no que diz respeito ao funcionamento do sistema prisional. É preciso que a União assuma de vez o seu papel de liderança na questão de segurança pública".

"A falta de vagas no sistema prisional é um problema crônico e crescente no Brasil, o que tem dado causa a prisões superlotadas, à substituiçao forçada de penas e ao cumprimento das mesmas em situações precárias. São condições prisionais que violam a Constituição. As verbas federais destinadas à construção de presídios no Brasil têm sido subutilizadas", afirmou a subprocuradora Geral da República Raquel Dodge.

Na audiência pública em comento, a maioria dos participantes era da Defensoria Pública, entidade que defende o direito à prisão domiciliar quando não houver vagas.

O defensor público-geral do Rio Grande do Sul e presidente do Conselho Nacional de Defensores Públicos-Gerais (Condege), Nilton Arnecke Maria, destacou que o sistema prisional é "desumano, cruel e não recupera".

Ele citou o recurso que será julgado pelo Supremo e disse que atualmente há 350 decisões para que presos saiam para o semiaberto no Rio Grande do Sul, mas não há vagas e, enquanto isso, detentos ficam em contato com presos de alta periculosidade.

O Defensor-geral público federal, Haman Tabosa destacou que é preciso "acabar com mitos" relacionados à concessão da prisão domiciliar. Segundo ele, não se pode deixar presos em regime mais grave "por omissão do Estado brasileiro".

Ocorre que a lei de Penal é clara sobre a aplicação dos regimes prisionais a cada caso concreto (individualização da pena). Entenda cada regime prisional:

Aberto (pena igual ou inferior a 4 anos): É aquele no qual o detento só dorme e passa os fins de semana no estabelecimento prisional, que deve ser casa de albergado.
Semiaberto (pena superior a 4 anos e não exceda a 8 anos): O preso trabalha em colônias agrícolas ou industriais, segundo determina o Código Penal. Mas, devido à falta de vagas em colônias, muitos ficam em alas especiais dentro de presídios, deixam o local durante o dia para trabalhar e retornam à noite para dormir.
Fechado (pena maior que 8 anos; mas existem determinados tipos de crimes que exigem, necessariamente que a pena inicie o cumprimento em regime fechado): É aquele em que a pena é cumprida em prisão de segurança média ou máxima, só podendo trabalhar dentro do presídio ou em obras públicas sob vigilância.
Prisão domiciliar: O condenado fica em casa e tem de se apresentar periodicamente à Justiça.

Ademais, a Lei de Execução prevê a progressão de regimes, leia:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. Obs: o prazo para progressão de regimes é diferente no caso dos crimes hediondos (2/5 ou 3/5).

O descumprimento do dispositivo legal gera patente supressão aos direitos dos presos. E, seguramente, isso ocorre quando ele é mantido no regime fechado, pois não existe a possibilidade, por falta de infra-estrutura necessária, para que ele vá para o semi-aberto ou deste para o aberto.

Também, O defensor-geral público federal afirmou o seguinte: "Nós devolvemos à sociedade pessoas muito piores devido a falta de políticas públicas de ressocialização e da precariedade do nosso sistema prisional".

Neste momento é de grande valia debater este ponto. Inicia-se a discussão esclarecendo o fundamento da pena no Brasil -com enfoque na privativa de liberdade (prisão) - que é entendido por poucos e muitas vezes deturpado pela mídia formadora de opiniões. 

Ocorre que o sensacionalismo midiático busca, a qualquer custo, gerar nos seus telespectadores a emoção e o sentimento de ódio e vingança necessários para que eles se mantenham conectados às notícias por ela veiculadas.

De forma breve passa-se a explicar as principais teorias da pena:

Primeiramente, há a teoria retributiva, que entende a pena tão somente como uma retribuição ao indivíduo pelo mal causado à sociedade. Em outras palavras, significaria a punição, sem mais análises ou funções. 

Para os adeptos desta teoria, a pena é um fim em si mesmo, e apenas ocasionalmente, cumpriria alguma finalidade social, visto não ser esta a sua essência. Os principais defensores desta teoria foram Emanuel Kant e Friedrich Hegel. 

Também há as teorias relativas, que são as mais importantes de serem entendidas no presente trabalho. Ela são também chamadas de preventivas ou utilitaristas, admitem a pena como um instrumento para evitar a prática de novos delitos, ou seja, ao invés das penas retribuírem um mal causado, elas assumem uma função utilitária, qual seja, a de prevenir que outros crimes sejam cometidos. 

Ou seja, esta teoria preocupa-se com o futuro, utilizando-se a pena como meio de evitar a prática de crimes e tentando, com isso, manter a criminalidade em níveis toleráveis. Vê- se na pena uma forma de prevenção da pratica de delitos.

Apesar de todos os defensores das teorias preventivas enxergarem a pena como utilidade social, diferentes concepções foram adotadas, o que possibilitou a distinção destas teorias em preventivas gerais, positivas ou negativas, dirigidas a atuação no ânimo da coletividade, e, em especiais, destinadas particularmente ao indivíduo que já delinqüiu. Vejamos:

Prevenção geral positiva: O ideal da prevenção geral se volta à sociedade, pois, a pena seria necessária para influenciar a sociedade a não mais cometer crimes. Ela se preocupa em criar na coletividade a consciência de que a norma é algo bom, e por isso deve ser cumprida. Busca-se a persuasão da sociedade acerca da lealdade ao Direito. 

Jakobs transfere o foco de proteção do Direito Penal, deixando para um segundo plano a proteção aos bens jurídicos, e dando ênfase à validade das normas e à confiança que inspira nos indivíduos que a elas aderirem. Desta feita, a pena assume então o importante papel de afirmar que a norma segue vigente, sem alterações. 

Nas palavras de Jakobs:

A pena é coação; é coação – aqui só será abordada de maneira setorial – de diversas classes, mescladas em íntima combinação. Em primeiro lugar, a coação é portadora de um significado, portadora da resposta ao fato: o fato, como ato de uma pessoa racional, significa algo, significa uma desautorização da norma, um ataque a sua vigência, e a pena também significa algo; significa que a afirmação do autor é irrelevante e que a norma segue vigente, sem modificações, mantendo-se, portanto, a configuração da sociedade. Nesta medida, tanto o fato como a coação penal são meios de interação simbólica, e o autor é considerado, seriamente, como pessoa; pois se fosse incapaz, não seria necessário negar o seu ato. (JAKOBS, Günter, e MELIÁ, Cancio. Direito Penal do Inimigo. Noções e Críticas. Org. e trad. André Luis Callegari e Nereu José Giacomolli, 2 ed. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 2007. p. 22.)

Em resumo, Jakobs com sua prevenção integradora, preocupa-se em garantir a vigência da norma através da pena, ou seja, que mesmo diante da prática de delitos a norma continua a viger e a aplicar seus efeitos sociais, ou seja, penalizar o infrator.

Desta forma, enquanto o delito é negativo, na medida em que infringe a norma, fraudando expectativas, a pena, por sua vez, é positiva na medida em que afirma a vigência da norma ao negar sua infração. (BITTENCOURT, César Roberto. Manual de Direito Penal. Parte Geral. p. 86.)


Esta é uma das teorias adotada pelo Brasil.

Prevenção geral negativa: Também voltada para a sociedade, buscando a prevenção de delitos, no entanto de forma a inibir o desrespeito ao ordenamento jurídico por meio o receio que é gerdo na população das conseqüências drásticas do recebimento da punição. 

Teve como seu maior expoente o alemão Paul Johann Anselm Ritter Von Feuerbach, atribui como função da pena a prevenção dos delitos por meio da coação psicológica, que inibirá a sociedade do cometimento de crimes, em decorrência do medo de sofrer uma sanção penal por parte do Estado. 

E espelha o que acontecia durante a Idade Média em que os malfeitores, assim consagrados pela igreja, eram punidos em praça pública. As execuções serviam para inibir os cidadãos, que com medo de serem submetidos às penalidades cruéis que assistiam, deixavam de infringir as normas vigentes.

Se voltarmos um pouco no tempo, visualizaremos cena semelhante e marcante na história da humanidade: a crucificação de Jesus Cristo, que foi uma forma bárbara de demonstração para todos sobre o que aconteceria aos que desobedecessem as ordens ou interesses dos poderosos da época. 

Deixando o enfoque eminentemente coletivo das teorias preventivas gerais, a teoria da prevenção especial preocupa-se tão-somente com o indivíduo, com o escopo de que este não mais volte a delinqüir. 

A prevenção especial teve expoentes radicais como Enrico Ferri, que propôs o seguinte:  

A experiência secular tem demonstrado o absurdo teórico e a deficiência prática da pena em medida fixa, que é conseqüência lógica do conceito de retribuição da culpa, mediante um castigo proporcionado, motivo pelo qual a defesa social contra a criminalidade deveria realizar-se ou com o seqüestro indefinido dos delinqüentes não readaptáveis à vida livre ou com a reeducação para a vida social dos delinqüentes readaptáveis. (FERRI apud QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do Direito Penal: Legitimação versus Deslegitimação do Sistema Penal. p. 58)

Prevenção especial positiva: Do que foi proposto por Enrico Ferri, tem-se nesta teoria a figura dos “delinqüentes readaptáveis”, já que ela prima pela ressocialização dos indivíduos que cumprem a pena.

O que esta teoria propõe é que a pena tem um objetivo: melhorar o indivíduo para que ele se torne mais adequado para o convívio em sociedade quando terminar o cumprimento da pena. 

Cabe ressaltar, que esta é adotada também pelo ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, ao ser segregado, o Estado assume a importante e essencial tarefa de trabalhar sobre o recluso e devolvê-lo melhor para a sociedade, de modo que não volte a delinqüir.

Prevenção especial negativa: Teoria que vê a pena como uma forma de segregar, separar, isolar da sociedade aqueles que definitivamente não obedecem as Leis vigentes, ou seja, os “não readaptáveis à vida livre” ou incorrigíveis. 

Por esse enfoque, pode dizer-se que a punição atua como uma forma de seleção artificial do indivíduo socialmente inapto, separando-o do convívio social.

Agora que já foram explicadas as principais teorias da pena, fica mais fácil explicar o porquê das diversas críticas manifestadas contra o sistema prisional brasileiro, que adota as Teorias da Prevenção Geral Positiva e da Prevenção Especial Positiva.

Para melhor esclarecimento: o Estado, quando da aplicação da pena sobre o infrator, em princípio o faz visando demonstrar a força do ordenamento jurídico e a superioridade dele perante toda a sociedade, para que esta nunca se esqueça do seu dever de obediência à norma jurídica.

E em segundo momento, assume o dever de ressocialização do indivíduo.  E foi este o ponto criticado com vigor pelo defensor público-federal, Haman Tabosa,  na audiência pública. Ele diz que ela não acontece.

Nesse contexto, é importante frisar que a superlotação dos presídios, que foi um dos temas debatidos, é um dos fatores que impede que o Estado cumpra o dever de melhoria do indivíduo.

A superlotação tem como efeito imediato para aquele que foi submetido a uma pena privativa de liberdade uma "sobrepena", uma vez que a convivência no presídio trará uma aflição maior do que a própria sanção imposta pela justiça.

Ela também gera a violação a normas e princípios constitucionais , uma vez que os reclusos têm atingidos direito invioláveis, tais como a intimidade, a honra, a integridade física, entre outros.

Neste momento, muitos se manifestam no sentido de que tais direitos devem ser mesmo ignorados, mas é necessário lembrar que isso nunca é positivo para o desenvolvimento humano, e que a pena tem uma função, que não apenas a de devolver ao indivíduo o mal causado, mas a de devolver à sociedade um cidadão melhor.

Além do mais, o impedimento da ressocialização e do atendimento à população carcerária também faz surgir forte tensão, violência e constantes rebeliões. Daí lembrar-se daquela frase bastante utilizada: "Violência gera violência".

A conseqüência é que o indivíduo levado ao encarceramento, não apenas deixa de ter melhoras, como torna-se ainda mais revoltado e violento quando volta ao convívio social. Este sim fica ainda menos subordinado às normas e portanto mais perigoso.

O ponto criticado pelo defensor geral sobre a incapacidade dos presídios foi bastante questionado no presente estudo, pois acredita-se que seja esta a maior falha no sistema prisional brasileiro: o não cumprimento do dever proposto pela pena. 

Nem tudo é tão simples como parece, e os últimos acontecimentos demonstram mais uma ironia que acontece no Brasil, agora no sistema prisional: enquanto o STF busca meios de enviar para casa, mesmo antes da hora, pessoas recolhidas nos estabelecimentos prisionais pois estes não têm recursos para abrigá-las, outros defendem a inserção de ainda mais pessoas nesses locais. 

Por isso, afastando-se dos ensinamentos falhos da mídia e dos sentimentos de vingança inculcado por ela, é que se aborda a questão da redução da menoridade penal, para que esta seja melhor analisada.

Acontece que tal alteração penal não virá desacompanhada do aumento do número de presídios e que tais ambientes têm demonstrado falhas tantas que o esboçado aqui foi apenas um início de uma longa discussão sobre o tema.







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