quinta-feira, 27 de junho de 2013

Os Crimes contra a Administração Pública X Os Crimes Hediondos


Em resposta às manifestações sociais, o plenário do Senado aprovou ontem um projeto de lei que tipifica como hediondos a corrupção e outros crimes cometidos por funcionários públicos contra a administração, além de aumentar a pena mínima de todos esses delitos de 2 (dois) para 4 (quatro) anos. O texto seguiu para ser analisado pela Câmara dos Deputados.
A atitude do Governo ratifica o hábito que tem de relegar ao sistema penal a tarefa de guardião dos anseios sociais. Por meio do enrijecimento das penas é gerada a ideia de proteção aos interesses sociais, tema que já foi abordado em artigos anteriores.


Obviamente, que os crimes que têm sido cometidos contra a Administração Pública por seus próprios servidores devem ser rechaçados e seus autores devem ser punidos, principalmente com o afastamento de seus cargos, pois a retirada dos infratores de cargos públicos gera novas vagas a serem ocupadas por outras pessoas não corrompidas.

Esta a forma mais eficaz de se garantir uma limpeza dentro da gerência do Estado, possibilitando que façam parte dela pessoas que realmente trabalhem para alcançar os interesses da sociedade, que representam.

Assim, para proteger verdadeiramente a sociedade contra a corrupção praticada por funcionários investidos de autoridade, muitas vezes, conferida pela própria população o afastamento e a proibição de que tenham qualquer tipo de acesso à Administração Pública são medidas que devem imperar antes de todo e qualquer paliativo criado pelo Poder Legislativo para acalmar a população.

As penalidades administrativas supra citadas já existem e estão previstas pela Lei de nº 8.249 de 2 de Junho de 1.992, também conhecida com Lei da Improbidade Administrativa. Seus principais artigos são: 9º, 10, 11 e 12, sendo que os três primeiros  tipificam as infrações praticadas por servidores públicos ou por terceiros em concurso de pessoas com esses e o último prevê as penalidades para cada tipo de conduta ilícita cometida em face da Administração.

Dentre tais penalidades estão a perda de bens acrescidos ao patrimônio ilicitamente, ressarcimento do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão de direitos políticos de 3 a 10 anos, pagamento de multa calculada sobre o enriquecimento obtido de forma ilícita a depender do tipo de infração, além da perda de benefícios fiscais ou creditícios e da possibilidade de firmar contrato com a Administração.

É claro que tais punições não afastam a reprimenda do Direito Penal, já que os famigerados crimes que ensejam na diminuição do patrimônio do Estado e no enriquecimento ilícito do infrator estão tipificados no Código Penal brasileiro, em seu Título XI, que trata "Dos Crimes contra a Administração Pública".

Dentre os delitos mais frequentes estão o peculato, que representa uma apropriação indébita ou furto de dinheiro ou patrimônio estatal por aquele que está no exercício de sua função ou que permite que outrem o faça; a corrupção passiva, que consiste no aceite de promessa, na solicitação ou recebimento de quantia indevida em razão de sua função de servidor, a corrupção ativa, que é a conduta praticada por aquele que oferece quantia indevida para alcançar a satisfação de um interesse pessoal  excesso de exação, que se dá com a cobrança indevida de impostos por funcionário público.

Enfim, os crimes mencionados têm pena mínima de 2 (dois) anos, podendo ser alterada de acordo com a situação fática e as características do agente. Acredita-se que o aumento dessas penalidades para 4 (quatro) anos possa vir a inibir a prática desses delitos. Portanto, é um ponto bastante positivo do Projeto em avaliação.

No entanto, o ponto principal a ser discutido é a inserção desses tipos penais na Lei de nº 8.072/90, mais conhecida com Lei dos Crimes Hediondos.

A Primeira coisa a se entender é o que são os crimes hediondos?

Pergunta que me remete ao ensinamento do professor, doutrinador  e promotor de justiça Cleber Masson, cujas aulas tive o prazer de assistir e que certa vez, para responder à indagação contou uma história descontraída da qual nunca vou me esquecer e nem da matéria tratada.
Ele disse que: quando ingressou no curso de direito, seu pai lhe perguntou o que eram crimes hediondos? E que para a tristeza do pai ele não soube responder. Alguns anos depois, ele se formou e seu pai novamente lhe veio com a pergunta cabulosa: o que são crimes hediondos? E ele, novamente, não soube responder, o que provocou um descrédito de seu pai em relação ao curso feito por ele. O tempo se passou, e ele foi aprovado no concurso público do Ministério Público, fato que comprovava sua capacitação e sua inteligência. No entanto, seu pai lhe veio com a mesma pergunta cabulosa de sempre. Já imaginam o final da história, né? Nesse momento ele não teve outra resposta a dar, se não uma: Os crimes hediondos são os previstos na Lei dos Crimes Hediondos.

A definição do professor foi, sem sombra de dúvidas, a mais objetiva e eficiente para qualificar e explicar o  que são crimes hediondos. Isso porque não há como defini-los usando características próprias ou pré-definidas.

Apenas é possível dizer que a determinação desse tipo de crime é taxativa, ou seja, não cabe aos julgadores decidir quais são eles. Eles estão expressos no rol do artigo 1º da Lei. Veja:

Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:  
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V);
II - latrocínio (art. 157, § 3o, in fine);
III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o);
IV - extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lo, 2o e 3o);
V - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o);
VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o);
VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o).
VII-A - (Vetado)
VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998).  
Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1o, 2o e 3o da Lei no 2.889, de 1o de outubro de 1956, tentado ou consumado.
Os tipos penais acima transcritos tratam de condutas de grande reprovação social. Não foi à toa que foram nomeados de hediondos, que também significa: alarmantes, arrepiadores, assombrosos, aterrorizantes, espantosos, apavorantes.

A gravidade se dá pelo fato de que, na maioria deles, o bem jurídico infringido é a vida e os meios que lesam-na são os mais reprováveis. Apesar de alguns deles serem patrimoniais, como o de extorsão e o latrocínio, seus resultados acabam lesando o bem jurídico vida.Também entre eles estão os crimes de estupro, que ferem a liberdade sexual.

Por fim, tem-se o crime de adulteração de produtos medicinais podem vir a lesionar a integridade física do indivíduo ao ponto de o dano ser irreversível, e é esta a analogia para que esteja entre eles. No entanto, a doutrina entende que esta previsão viola o Princípio da Proporcionalidade/Razoabilidade.

Por isso, o legislador criou a Lei específica para especificar medidas diferenciadas e mais rígidas a serem aplicadas a eles, os quais também estão previstos no Código Penal brasileiro, entre os demais delitos.

A Lei dos Crimes Hediondos prevê que eles são inafiançáveis e impede a concessão de anistia, graça ou indulto ao condenado. Além disso, o acesso a benefícios penais, como a liberdade condicional e a progressão de regime, é mais rígido. 

O condenado por prática de crime hediondo deve ingressar no sistema prisional em regime mais rígido, ou seja, o fechado e somente poderão progredir para regime melhor após o cumprimento de 2/5 ou 3/5 (reincidente) da pena, e não de 1/6, como ocorre para os outros delitos.

Também a prisão temporária, cujos requisitos estão na Lei de nº 7.960 de 1.989 - dentre eles o de ser decretada apenas em fase investigativa e de ter a duração máxima de 30 dias - terá duração maior quando tratar da verificação de ocorrência desses tipos de de delitos, podendo chegar a 60 dias - "30 (trinta) dias prorrogável por igual período".

Em suma, tratam de crimes extremamente reprováveis, que infringem bens jurídicos de maior valor social e que, portanto, os autores devem usufruir menores vantagens durante o execução da pena. Além, é claro, de estarem incluídos entre os crimes de penalidades mais altas do Código Penal.

Acontece que, os crimes de corrupção, entre outros praticados contra a Administração Pública, geram grande reprovação popular, no entanto isso não ser confundido com a repugnância provocada pelos crimes hediondos.

Por certo que a intensificação das penas para aqueles tipos penais e também o implemento de medidas mais duras na fase de cumprimento de pena pode servir como inibidor e por isso essas sugestões devem ser levadas a análise pelo Congresso Nacional.

No entanto, inserir a corrupção e os outros entre os hediondos parece um atalho que destoa do Princípio da Proporcionalidade e da Lesividade (Ofensividade) que norteiam o Direito Penal.

Não seria razoável colocar lado a lado em nível de repugnância crimes que ferem bens jurídicos tão diferentes. A iniciativa de equiparar a corrupção (crime contra a Administração Pública) a crimes como o genocídio, o latrocínio, a extorsão seguida de morte seria um grande equívoco, que somente se justifica pela atitude apressada do Governo em provar à sociedade que tais delitos estão sendo reprimidos desde já por ele. (Ler artigo do Direito Penal Simbólico e o Punitivismo)

Novamente, o ordenamento jurídico na esfera penal poderá sofrer alteração, afinal de contas não possui as cláusulas pétreas constitucionais. E por sorte, que a nossa Carta Magna não pode ser tão facilmente modificada, pois caso contrário teríamos uma constante instabilidade jurídica e social.

O Legislativo age de forma desorganizada e ignora todo e qualquer princípio em busca de paliativos que acalmem a população que grita nas ruas. No presente caso não é possível entender este projeto em discussão, que nem mesmo foi reclamado pelo povo nos termos em que está sendo proposto: inserção de crimes administrativos nos hediondos.

 É fato que num processo de mudanças muitas "cabeças tendem a rolar", o problema é que no Brasil a primeira que é colocada em queche é a do Sistema Penal, com a relativização dos valores de alguns bens jurídicos que ele protege. 

A maior preocupação é que as leis alteram e com elas pode vir a ocorrer também a inversão de valores sociais, pois a sociedade caminha em sintonia com o ordenamento jurídico e vice-versa.

Espero isso que não ocorra nesse caso, pois o bem jurídico de máxima proteção deve seguir sendo sempre a vida, uma vez que sem ela não existiria nenhum outro a ser tutelado.

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